É possível que você fique desapontado com a resposta à pergunta acima formulada, mas nós seres humanos nunca fomos “naturalmente” solidários com outros, especialmente quando esses outros não fazem parte do nosso grupo ou tribo.
Apesar de ser um choque para muitos, a solidariedade (natural) é um comportamento de adaptação social com o pragmático objetivo de ajuda mútua para defesa e sobrevivência dos membros de um grupo às ameaças externas, sejam elas forças da Natureza, predadores selvagens ou outros grupos disputando o mesmo espaço e as mesmas fontes de alimentação.
No mundo animal, entre os mamíferos, esse comportamento não é diferente. Sejam leões, lobos, elefantes ou chimpanzés, só há solidariedade e compartilhamento entre os membros de um mesmo grupo, familiar ou de interesse. O combate, muitas vezes mortal, ocorre entre grupos de uma mesma espécie, competindo pela dominância de território e primazia dos recursos, ou entre membros de um mesmo grupo, competindo pela liderança.
Nós, Homo sapiens, evoluímos enfrentando o ambiente adverso não somente como indivíduos, mas, principalmente, como grupos de famílias ou pequenos bandos disputando os recursos com outros bandos semelhantes de nossa própria espécie. Nessa luta permanente, além da defesa e sobrevivência dos adultos, o cuidado com a prole foi um dos fatores que mais contribuíram para o advento da solidariedade entre os membros de um mesmo grupo. Explico melhor.
O sucesso do grupo passou a depender essencialmente da sobrevivência e crescimento da prole, que, por sua vez, sofria forte influência da qualidade e intensidade de cuidados dados pelos pais e da solidariedade e compartilhamento dos outros membros do bando.
Ainda que os bandos mais bem-sucedidos apresentassem crescimento populacional, como grupos em constante disputa, com vários outros bandos e ameaças, a sensação relativa de pertencer a uma minoria sempre foi comum a todos. Por consequência, as minorias passaram a se solidarizar entre si como meio de coesão e defesa recíproca.
Não é por outra razão que a solidariedade foi fortemente incutida na alma judaica há pelo menos três mil anos. É possível que ela tenha se iniciado com as 12 tribos do povo Hebreu na Terra Prometida, que lutavam contra seus muitos inimigos, e se solidificado em função das grandes perseguições iniciadas 500 anos antes de Cristo e continuadas ao longo dos séculos seguintes de diáspora judaica.
Na idade média, berço do obscurantismo, os ruivos (especialmente as mulheres) eram associados à bruxaria e as crianças ruivas e sardentas costumavam ser relacionadas às forças malignas e bárbaras. Vem dessa época o sentimento de solidariedade entre os ruivos. Até hoje trocam sorrisos quando se cruzam na rua.
Assim, se realmente “continuamos sendo tribais”, faça parte da tribo que trabalha a favor da responsabilidade social. Seja solidário, apoie e contribua para minimizar o sofrimento daqueles que passam por dificuldades, especialmente nesse tempo de crise provocada pela pandemia da Covid-19.
Sobre Marcelo Szpilman
Marcelo Szpilman, biólogo marinho, é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.