As manchetes de janeiro de 2011 nos principais jornais do país, e do mundo, nos apresentaram mais uma triste catástrofe. O número de mortos pelas enxurradas na Região Serrana do Rio de Janeiro passou de 360 (Friburgo com 168 vítimas, Teresópolis com 152 e Petrópolis com 36 vítimas).
Como ocorreu em Angra dos Reis e Niterói no ano anterior, essa tragédia me fez lembrar de um artigo que escrevi em 2004 onde tratava de fatalidades e comentava uma excelente matéria de Okky de Souza, publicada na revista Veja (edição 1866 – agosto de 2004), onde ele descreve: “tragédias, causadas pelas forças da natureza ou pelo homem, acontecem em todo lugar. Na maioria das vezes, nem há como prevê-las. O incêndio paraguaio, no entanto, reforça um postulado amargo que vale para todo o planeta. As fatalidades que se abatem sobre os países menos desenvolvidos costumam produzir mais vítimas do que aquelas que ocorrem nas nações do Primeiro Mundo, pela falta de recursos para evitá-las ou pela falta de infraestrutura para minorar suas consequências ou simplesmente por aspectos culturais __ ignorância da população ou descaso das autoridades“. Para quem desconhece, o incêndio no supermercado em Assunção, capital do Paraguai, ocorrido no dia 1º de agosto de 2004, provocou 448 mortes e 200 feridos pela combinação de falta de manutenção, negligência e atitude criminosa.
Como Okky tão bem coloca, a tendência dos desastres de ceifar mais vidas humanas nos países atrasados do que nos ricos é uma realidade estatística. Em dezembro de 2003 um terremoto de 6,7 graus na escala Richter matou mais de 40 mil pessoas no Irã. Quatro dias antes, na Califórnia (EUA), um terremoto com a mesma intensidade matou apenas duas pessoas. Em 1997, nas Filipinas, uma enchente provocada por muita chuva matou mais de 200 pessoas. Em 2002, na Alemanha, a pior enchente dos últimos 150 anos no país matou 16 pessoas. Na Índia, em 1999, a batida entre dois trens deixou um saldo de 300 mortos. Na Inglaterra, em 2002, o descarrilamento de um trem em alta velocidade que se chocou contra a plataforma da estação matou 6 pessoas.
Sempre ouvimos dizer que aqui não há terremotos, furações ou tsunamis, mas as nossas chuvas de verão, cada vez mais apocalípticas, têm ceifado centenas de vidas todos os anos ao redor do Brasil. Chuvas torrenciais, fora de época, estão desabando e castigando cidades em todos os cantos do Planeta, mas a perda de vidas, quando há, não se compara com a nossa infeliz realidade.
Tudo isso é uma simples coincidência ou há um padrão regular nessas fatalidades?
Vamos dar um salto no tempo e falar da atual pandemia de Covid-19. O FMI acaba de apontar que a desigualdade (e a pobreza) está agravando a pandemia na América Latina. Segundo sua diretora-gerente, Kristalina Georgieva, a América Latina foi mais afetada por causa da desigualdade: “A América Latina tem apenas 8% da população mundial, mas, infelizmente, concentra 20% dos casos e 30% das mortes por Covid-19”.
A pobreza no Brasil, financeira, institucional ou de espírito, ostenta cada vez mais um semblante terrorista. Cabe a nós, da sociedade civil, passar de simples espectadores (e sofredores) das tragédias alheias para cobradores de ações concretas das autoridades executivas municipais, estaduais e federais. A responsabilidade socioambiental, séria e comprometida, não pode ser só uma bonita e oportuna bandeira de campanha.
Sobre Marcelo Szpilman
Marcelo Szpilman é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.