Nosso futuro será virar rã em água fervendo?

O significado da metáfora da rã do título, que pode ser esclarecido expondo duas situações distintas, é uma reflexão e um alerta sobre o perigoso caminho que estamos trilhando como espécie humana.

SITUAÇÃO 1 – IMEDIATA: você coloca a rã numa panela com água fervente. O pobre animal, com toda certeza, vai logo perceber a ameaça à sua vida e tentará de tudo para escapar. Situação análoga a que hoje a humanidade está enfrentando com a pandemia da Covid-19. Constatamos de pronto o grau de ameaça e não estamos medindo esforços para escapar e sobreviver. Passada a ameaça, e vai passar, voltaremos ao normal (ou ao “novo normal”).

SITUAÇÃO 2 – LENTA: você coloca a rã numa panela com água fria, acende o fogo e a deixa esquentar lentamente. O anuro vai-se acostumando e se acomodando ao calor da água e não percebe que está caminhando para um fim trágico quando a água começar a ferver. Situação análoga a que se encontra hoje a humanidade frente às mudanças climáticas. Passamos a nos acostumar com o aquecimento global e não temos percebido que estamos caminhando para um fim trágico para a nossa espécie no Planeta Terra __ um recente trabalho publicado pela Academia Nacional de Ciência dos EUA alerta para o potencial efeito dominó que poderá conduzir o planeta ao fenômeno Terra Estufa.

Com o derretimento das geleiras e a consequente elevação dos oceanos __ apenas um dos muitos potenciais impactos catastróficos das mudanças climáticas, fora a extinção de ecossistemas e a perda de biodiversidade __, teremos inundações de regiões costeiras e urbanas, grave incremento na falta de água potável, aumento das doenças transmitidas por mosquitos, drástica redução das áreas cultiváveis e o decorrente (e dramático) crescimento da fome no mundo. Não voltaremos ao normal, não nos próximos séculos, e dificilmente haverá escapatória para muitas populações e sociedades, especialmente as mais pobres, pois sua sobrevivência se tornará próxima do inviável.

Não é de hoje que se discute se o aquecimento global é motivado pelo cíclico e natural acaloramento do Planeta ou se pelos séculos de emissões de gases poluentes de efeito estufa na atmosfera. O embate entre essas duas linhas de raciocínio formou dois grupos de cientistas e ambientalistas, cada um puxando a sardinha para suas hipóteses e explicações. Mas enquanto eles não decidem, até porque o mais provável é que a causa seja um somatório dos dois fatores, sofremos com as mudanças climáticas que já esmurram nossas portas.

Lembro-me perfeitamente do clima de Teresópolis (cidade serrana no Rio de Janeiro) na época em que eu era menino e passava as férias de verão com meus irmãos e primos em nossa casa de campo. Todos os dias tínhamos um lindo sol e céu azul até umas três horas da tarde, quando entrava a serração e a chuva de convecção desabava. Após um par de horas de água abundante, muitas vezes acompanhada de raios e trovões, com o característico cheiro de mato quente molhado, o céu limpo e azul fechava o dia com chave de ouro. A noite de céu estrelado e o friozinho da serra eram sempre companheiros garantidos. O tom saudosista é intencional, pois já não temos esse clima maravilhoso há anos. Ventilador e ar-condicionado em Teresópolis e outras cidades serranas, impensáveis naquele tempo, hoje são itens obrigatórios no verão.

São Paulo já perdeu o título de “terra da garoa” faz tempo. Mudanças bruscas de temperatura vêm ocorrendo nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Chuvas torrenciais, fora de época, desabam e castigam cidades em todos os cantos do Planeta. Inéditas ondas de calor têm assolado o Japão (41ºC), a Espanha (45ºC) e Portugal (47ºC). Nevascas recordes na Europa e nos EUA, incluindo a Flórida, passaram ser mais comuns. Até tornados já temos no Brasil. Ou seja, deu a louca no tempo.

Mas será que podemos fazer algo? Normalmente pensamos que muito pouco ou quase nada do que fizermos trará resultados práticos. Isso não deixa de ser verdade, mas é uma meia verdade. O grande problema está na questão abordada no quinto parágrafo desse artigo. Ainda que exista margem de discussão, já está comprovado que os gases poluentes de efeito estufa contribuem consideravelmente para o aquecimento global do Planeta. E de onde vêm esses gases? Vêm das extrações de matéria-prima, das produções de bens nas fábricas e indústrias, da agropecuária, da queima de combustíveis fósseis dos nossos próprios deslocamentos e para distribuição de todas as coisas que nos abrigam, nos confortam, nos alegram e nos alimentam. Tudo isso é intrínseco ao bem-estar e ao funcionamento de todas as economias mundiais.

Nesse sentido, as grandes nações, mais ou menos poluidoras, o que inclui China, Índia, Japão, Rússia, EUA, Comunidade Europeia e até mesmo o Brasil, como vemos em todas as Cúpulas do Clima, não estão dispostas a cortar suas emissões se para isso tiverem que reduzir seu consumo de recursos naturais, alimentos e bens materiais. E não é diferente com as pessoas que vivem nesses países __ nós inclusive. Apesar de sabermos que os recursos do Planeta são finitos e nos sensibilizarmos com as questões de sustentabilidade, continuamos consumindo e jogando fora. Consumindo e jogando fora. (A repetição é proposital.)

Pode não ser muito, ou não o suficiente, mas felizmente há pessoas, empresas e entidades trabalhando para salvar e conservar ecossistemas (e animais), para produzir energias e processos mais limpos e para incentivar o consumo consciente, a redução do desperdício, a reciclagem e o reuso. Ou para simplesmente educar e clamar pela atenção para esses assuntos.

Junte-se a elas e acredite: podemos fazer algo para preservar a Natureza e para preservar a nós mesmos. Não fique parado. Envolva-se. Participe.

Sobre Marcelo Szpilman

Marcelo Szpilman é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.

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