NOTÍCIA 1 (3 de agosto) – “Atenção, se forem à praia e notarem esse animal, chamado dragão azul, não toquem. As praias de Salvador estão repletas deles. Um dos animais mais venenosos das costas oceânicas. São originários da Ásia e da África do Sul. Mas, certamente, estão vindo em navios cargueiros ou por desequilíbrio ambiental estão atravessando o Atlântico com as correntes africanas que vem em direção ao Brasil. Acumulam o veneno das águas vivas e caravelas com as quais se alimenta. E sua ação venenosa é dezenas de vezes mais forte, podendo vir a causar casos graves de choque.”
NOTÍCIA 2 (5 de agosto) – “Estava surfando no raso, na Reserva, em frente ao Pedra de Itauna (Rio de Janeiro). Viu uma mancha cinza escura, achou que era pedra. Tentou remar pra longe, tomou o bote.” Acompanhando esse texto, estavam fotos do pé do rapaz mostrando algumas lesões e um áudio do pai afirmando (com certo orgulho na voz): “não é “caô” (mentira), meu filho foi surfar na praia da Reserva e foi atacado por um tubarão. Tomou um mordidão no pé. Foi superficial, mas fica o alerta. Quem quiser ir à praia fica escaldado que tem tubarão na área.”
Notícias (falsas) como essas costumam ter a intensão de serem bombásticas para, assim, chamar a atenção e se propagar rapidamente nas redes sociais. Por isso, precisam ser logo esclarecidas, de modo a evitar mal-entendido e pânico. Vamos então aos esclarecimentos, começando pela primeira notícia, que contou com a participação de Vinícius Padula, biólogo marinho, pesquisador e professor do Museu Nacional (UFRJ).
O dragão-azul (Glaucus atlanticus) é uma bela espécie de nudibrânquio (ordem de moluscos marinhos da família das lesmas-do-mar) de cor azul-prateado, com cerca de um a quatro centímetros de comprimento. Pelágicos, vivem junto à superfície da água nas regiões mais afastadas da costa, mas, usualmente, podem ser levados para as praias por razões naturais, como fortes ventos e correntes marinhas. Ao chegaram às praias, costumam já estar debilitados e a maioria acaba morrendo ou servindo de alimento para outros animais marinhos.
Sua distribuição é circunglobal, ocorrendo nas águas temperadas e tropicais de todos os oceanos, incluindo o litoral brasileiro. Ou seja, ao contrário da fake news, não são originários da Ásia e da África do Sul, não são transportados por navios, não estão atravessando o Atlântico, não estão invadindo e muitos menos é uma situação ocasionada por desequilíbrio ambiental.
Por se alimentarem de cnidários, como caravelas e porpitas (colônias globulares de hidróides, parecidas com as águas-vivas), biologicamente têm a capacidade de acumular parte dos nematocistos (contendo peçonha, que é diferente de veneno) dos cnidários de modo a potencializá-los em sua defesa contra outros animais marinhos – cores fortes e brilhantes, como o azul que lhe é característico, são habituais avisos da natureza para o potencial perigo de inoculação ou intoxicação. No entanto, ao contrário da fake news, os dragões-azuis não representam risco ao homem. Não atacam e não há relatos de casos de acidentes provocados por esses animais no nosso litoral, muito menos graves. Porém, é claro, não devem ser molestados, tocados ou ingeridos.
Partindo para a segunda notícia, de cara é bom esclarecer que as lesões visualizadas nas fotos que acompanham a mensagem, e que me foram enviadas por varias fontes, incluindo dois veículos de mídia, não possuem aspecto e configuração característicos de uma mordida de tubarão – semicírculo de lesões perfurantes bem delimitadas e com nítido padrão de espaçamento entre elas.
Mordidas de tubarão não apresentam lesões do tipo “arranhada”, como claramente percebidas nas fotos. Se tivessem me enviado as fotos, sem qualquer comentário, eu imaginaria que o rapaz ralou o pé numa pedra com cracas. Não posso, com clareza, afirmar sobre o que provocou tais lesões, mas posso garantir que não foi um ataque de tubarão. Com relação à declaração do pai do rapaz – “quem quiser ir à praia fica escaldado que tem tubarão na área” -, não há qualquer novidade sobre ter tubarão na área. E não há necessidade de um alerta, como se fosse algo a ser temido.
As pessoas costumam ficar surpresas quando digo que todas as praias do litoral brasileiro e carioca, incluindo Copacabana, Ipanema e Barra da Tijuca, têm ocorrência de tubarões. Aliás, isso acontece há milhões de anos. Perigoso? Nada disso. Excluindo a faixa de 20 quilômetros da Grande Recife, onde há risco real, nos mais de oito mil quilômetros de litoral brasileiro as chances de alguém ser atacado por um tubarão são absolutamente desprezíveis – no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, nos últimos 200 anos houve apenas oito incidentes com tubarões.
Na sequência, no dia seguinte, divulgaram um vídeo nas redes sociais mostrando o “suposto” tubarão na beira da água de uma praia da Barra da Tijuca – que mais parece um mergulhador com as nadadeiras batendo na superfície. Ainda assim, mesmo que fosse um tubarão, e mesmo que o incidente do dia anterior tivesse sido um ataque de tubarão, é impossível alegar que aquele animal seria o responsável.
Importante reafirmar que esses tubarões que frequentam nossas praias não representam qualquer ameaça aos banhistas e surfistas. Quando a praia está cheia os tubarões mantém uma distância segura (para eles), pois têm medo do ser humano. Estando vazia, dia de chuva ou à noite, tubarões de pequeno porte se aproximam da zona de arrebentação das ondas para pescar sua refeição – peixes que frequentam as áreas de espuma.
Não acredite de pronto em notícias duvidosas e, muito menos, as compartilhe sem verificar sua veracidade. Ingenuamente, você poderá provocar consequências danosas para animais inofensivos e inocentes.
Sobre Marcelo Szpilman
Marcelo Szpilman é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.