Sempre que a ciência anuncia a descoberta de um planeta com características que o tornaria potencialmente habitável, como em 2015, quando a NASA descobriu o planeta Kepler-452b, surge a recorrente pergunta: poderia ele abrigar vida semelhante à terrestre?
As razões para tamanha especulação giram, invariavelmente, em torno do conceito de que o planeta fica numa “zona habitável”, região de seu sistema solar cuja radiação permite que exista atmosfera estável e água líquida na superfície. O que não seria novidade, já que a ciência estima haver na Via Láctea cerca de 10 bilhões de planetas com zonas habitáveis parecidas com a da Terra. Não haveria surpresa também se fosse descoberta vida em algum desses planetas.
No entanto, é preciso esclarecer que a “vida” que se pressupõe existir em outros planetas não deva ser nada diferente de bactérias ou outros organismos celulares simples. Especulações sobre vida “inteligente” de seres semelhantes a nós, como os ETs dos filmes, devem permanecer na esfera da fantasia.
Em cada um desses planetas em potencial, as probabilidades de se repetirem, na mesma sequência física e temporal, todas as incontáveis variáveis, ocorrências, transformações e acasos naturais que alteraram as condições geológicas, ambientais e biológicas no nosso planeta e, por conseguinte, direcionaram a evolução da vida e das espécies como a conhecemos hoje, tendem praticamente a zero.
Sem falar nas condições únicas e especialíssimas que possibilitaram o surgimento das primeiras bactérias e algas microscópicas no mar, há 3,5 bilhões de anos, inúmeros exemplos se prestam para explicar o porquê da impossibilidade dos eventos que criaram vida macroscópica inteligente na Terra se reprisarem nos outros planetas. Vamos a apenas três deles.
EVENTO 1: Se hoje todos os animais têm cinco falanges (dedos) na extremidade dos membros, o motivo é elementar: há 650 milhões de anos havia seres macroscópicos terrestres com cinco, seis e sete falanges. Então, passados 400 milhões de anos de evolução, um cataclismo de enormes proporções extinguiu cerca de 80% de todas as espécies do nosso planeta. Felizmente, uma espécie dos seres de cinco falanges conseguiu sobreviver e se tornou o ancestral que deu origem à diversificação evolutiva de todos os animais que vivem ou viveram na face da Terra depois dele. Não fosse esse simples acaso, a vida teria tomado um rumo totalmente diferente com outros seres vivos, talvez até com seis ou sete dedos.
EVENTO 2: Sem a grande extinção em massa dos dinossauros, provocada pela queda de um super meteoro e as consequentes mudanças gradativas do clima, há 65 milhões de anos, não haveria condições para o fabuloso desenvolvimento dos mamíferos, já que os mesmos permaneceriam sendo seres pequenos e esquivos com hábitos noturnos para não serem comidos.
EVENTO 3: Sem as mudanças geológicas que criaram as cadeias de montanhas no Rift Valley, na África, continuaríamos sendo primitivos primatas hominídeos arborícolas. Explico. Essa barreira natural passou a reter os ventos e nuvens e modificaram o clima no leste da África há oito milhões de anos. Enquanto o lado oeste não sofreu grandes mudanças climáticas e suas florestas tropicais permaneceram abrigando os ancestrais dos gorilas e chimpanzés, o lado leste caracterizou-se por um aumento gradativo de aridez nas áreas habitadas pelos hominídeos (ancestrais do homem), causando a criação de um novo habitat que variava desde as savanas florestadas até as áreas muito áridas, quase desérticas. A ocupação e sobrevivência nesse novo habitat forçaram as mudanças evolutivas de comportamento e estrutura física __ locomoção bípede, utilização de ferramentas, aumento do cérebro (caça de grandes animais) e reconstrução do crânio (articulação da palavra) __ que nos levaram até o gênero Homo.
Assim, ainda que o tema “vida extraterrestre” gere muita imaginação criativa e filmes de Hollywood, seria bem mais salutar se nos preocupássemos efetivamente em conservar e proteger a natureza extraordinária e única que tem possibilitado tamanha diversidade de vida no nosso planeta.
Pense bem: se os 650 milhões de anos, em que os grandes seres já estão por aqui, correspondesse a uma hora, nós, Homo sapiens, que vagamos por essas bandas há somente 200 mil anos, faríamos parte da vida terrestre apenas no último segundo dessa hora. Olhando por esse ângulo, o Planeta Terra, que tem quase cinco bilhões de anos, não está nem um pouco preocupado se nós nos extinguirmos depois de acabar com a vida que hoje há nele, pois ela certamente retornará. Poderá levar alguns milhões de anos, mas a vida voltará e se desenvolverá com outras variáveis e outros seres vivos diferentes. Mas nós, seres humanos, não estaremos mais aqui para ver.
Sobre Marcelo Szpilman
Marcelo Szpilman, biólogo marinho, é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.