Assistindo ao excelente documentário “David Attenborough e nosso planeta” (Netflix), que recomendo a todos, percebi a grande semelhança existente com o alerta que venho fazendo há anos a respeito do grave declínio das populações de tubarões sem que a sociedade se dê conta.
Em suas palavras, Attenborough nos dá a dimensão real de outro dramático problema que passa desapercebido pela sociedade: “A perda das áreas de vida selvagem do planeta e de sua biodiversidade é uma tragédia quase imperceptível acontecendo dia a dia ao redor do mundo”.
O documentário aborda uma questão fundamental; a humanidade depende da bem-afinada Máquina de Suporte à Vida, representada pelas incontáveis inter-relações de milhões de espécies de plantas e animais que se entrelaçam e se sustentam. E essa máquina precisa da sua múltipla biodiversidade para um bom funcionamento.
O filme é o testemunho pujante de um dos maiores naturalistas do mundo. Nascido em 1926, Attenborough viveu e presenciou os impactos e as transformações dos biomas globais através de seus programas de TV sobre história natural nos últimos 57 anos __ tempo em que foi testemunha ocular do quanto a humanidade provocou o declínio da biodiversidade do planeta.
O quadro abaixo demonstra claramente a relação entre crescimento populacional e perda de vida selvagem (ou biodiversidade). Ao longo dos últimos 83 anos, o remanescente de vida selvagem despencou 47% enquanto a população da Terra aumentou 240%.
ANO População Vida Selvagem Restante
1937 2,3 bilhões 66%
1954 2,7 bilhões 64%
1960 3,0 bilhões 62%
1978 4,3 bilhões 55%
1997 5,9 bilhões 46%
2020 7,8 bilhões 35%
Projeções indicam que o nosso planeta poderá ter 11 bilhões de pessoas em 2100. Quanto restará de biodiversidade se continuarmos com o modelo atual que impõe a destruição das áreas de vida selvagem para fornecer alimentação e bens materiais a 11 bilhões de consumidores?
Mais de 15 bilhões de árvores por ano são hoje derrubadas em todas florestas do mundo. Já reduzimos as populações de vida selvagem de água doce em mais de 80%. Estamos substituindo a vida selvagem pela vida domesticada. É assombroso ouvir David Attenborough dizer que 70% da população de aves do planeta já são aves domesticas (grande maioria galinhas).
Ainda mais impactante é saber que nós, seres humanos, correspondemos a 36% do peso dos mamíferos na Terra e que 60% correspondem aos mamíferos criados em cativeiro para nossa alimentação. O restante dos mamíferos, a vida selvagem, representa apenas 4% do peso total.
Ou seja, sobrou muito pouco para a vida selvagem. É urgente corrigir esse rumo. Precisamos restaurar a biodiversidade do Planeta. Quer dois exemplos? (1) Estimativas indicam que se 33% dos mares costeiros fossem transformados em Zonas Proibidas de Pesca teríamos a nossa disposição todos os peixes de que precisamos para alimentação sustentável. (2) Um estudo recente apontou que se restaurarmos 30% das áreas selvagens degradadas no mundo podemos salvar 71% de espécies do risco de extinção. E, ainda, se restaurados, esses ecossistemas podem retirar 466 bilhões de toneladas de gás carbônico do planeta, contribuindo sobremaneira para desacelerar o aquecimento global.
Ao final do documentário, Attenborough nos dá um forte recado sobre esse novo rumo: “Precisamos redescobrir como ser sustentáveis para deixarmos de estar separados da natureza e nos tornarmos parte dela mais uma vez”.
Concidentemente, ele termina seu alerta falando exatamente o que eu já escrevi em alguns dos meus artigos sobre “salvar o planeta”, e que repito agora uma vez mais. O Planeta Terra não está nem um pouco preocupado se nós nos extinguirmos depois de acabar com a vida que hoje há nele, pois ela certamente retornará. Poderá levar alguns milhões de anos, mas a vida voltará e se desenvolverá com outros seres vivos diferentes. Mas nós, seres humanos, não estaremos mais aqui para ver. Então, precisamos, na verdade, nos salvar! E para nos salvar, precisamos conservar a biodiversidade do planeta. Precisamos ser sustentáveis.
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Esse texto é uma edição especial da coluna Crônicas da Natureza em colaboração com o Conservação Integrada Summit. O evento que acontece desde segunda-feira, 30, e vai até sexta-feira, 04, é o maior encontro sobre conservação integrada do Brasil. Durante esses dias palestrantes nacionais e internacionais participarão de mesas-redondas para abordar os principais assuntos em torno da conservação da biodiversidade. A transmissão é AO VIVO, para assistir é só clicar aqui.
Sobre Marcelo Szpilman
Marcelo Szpilman, biólogo marinho, é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.