Deixa de ser romântico!

O fascínio e o romantismo do bom selvagem de Rousseau sempre tendem a nos conduzir para uma visão sentimental sobre a atuação do ser humano na natureza desde os primórdios. Mas pare e reflita sobre uma importante questão existencial.

O Planeta Terra tem quase 5 bilhões de anos e a vida foi criada há mais de 3 bilhões de anos. Os grandes seres já estão por aqui há pelo menos 650 milhões de anos. E nesse tempo, já houve três grandes extinções em massa de animais e vegetais e a vida sempre retornou ao Planeta. Se esses 650 milhões de anos correspondessem a 1 hora, nós, Homo sapiens, que vagamos por aqui há somente 200 mil anos, faríamos parte da vida no Planeta apenas no último segundo dessa hora. Ou seja, a humanidade é um leve sopro no tempo do Planeta Terra.

Olhando por esse ângulo, o Planeta não está preocupado se nós nos extinguirmos depois de acabar com a vida como a conhecemos hoje, pois ela certamente retornará. Poderá levar alguns milhares ou milhões de anos, mas a vida voltará e se desenvolverá com outros seres vivos. Mas nós, seres humanos, não estaremos mais aqui.

Conceitos pragmáticos como esses podem ainda não o ter convencido a abster-se do pensamento romântico que tende a fazê-lo crer que as sociedades selvagens é que eram boas e que a nossa sociedade atual é essencialmente deletéria. E se você pensa assim, talvez tenha se esquecido de que nós evoluímos nos últimos 60 mil anos enfrentando o ambiente adverso como pequenos bandos disputando arduamente os recursos naturais com outros bandos semelhantes de nosso gênero e espécie __ cabe lembrar também que o mamute e outras espécies foram extintas pela ação do bom selvagem.

Um ótimo exemplo vem da Nova Guiné, uma bem afastada ilha no Oceano Pacífico, onde os habitantes originais (“selvagens”) se dividiram em pelo menos 1.000 tribos, cada uma com seus interesses conflitantes e seu próprio dialeto. Ou seja, não há romantismo no duro combate pela sobrevivência, muitas vezes mortal, entre grupos de uma mesma espécie competindo pela primazia dos recursos escassos que a natureza pode prover.

Pondere uma vez mais e perceba que não pode haver romantismo nas práticas tradicionais bárbaras que tinham sua razão ritualística de ser, como o sacrifício de crianças, o estrangulamento de viúvas e o assassinato dos velhos. Também não há romantismo algum no incessante risco de morte que enfrentavam os nossos ancestrais, seja por fome, por doenças contagiosas, submetidos aos inúmeros perigos naturais ou simplesmente devorados por feras.

Voltando à Nova Guiné, muitas tribos primitivas de lá abandonaram o modo de vida da Idade da Pedra há apenas seis ou sete décadas e quem viveu aquelas penosas condições rudimentares não quer voltar a elas. Preferem, sem dúvida, a segurança, o conforto, o bem-estar e os medicamentos que passaram a conhecer e usufruir.

Não fosse o extraordinário desenvolvimento científico alcançado pelo homem, especialmente nos setores do saneamento, da saúde, da tecnologia e da produção de alimentos, muitos de nós nem estaríamos aqui hoje. Então, devemos sim nos sentir grandes privilegiados pela excelente qualidade de vida proporcionada em nossa sociedade moderna.

Mas é claro que isso tem um preço. E esse preço está sendo cobrado agora. Precisamos rever nossos conceitos e atitudes, sem romantismo ou nostalgia bucólica. Devemos olhar pra frente e encontrar soluções mais sustentáveis para não exaurir os recursos do Planeta. Não para salvar o Planeta, mas sim para nos salvar como espécie. E para nos salvar, temos que preservar toda a vida que compartilha conosco esse breve momento do Planeta.

Faça sua parte em favor da sustentabilidade e uso consciente dos recursos naturais. Associe-se, contribua, apoie e participe de ações, entidades e projetos sustentáveis.

Sobre Marcelo Szpilman

Marcelo Szpilman, biólogo marinho, é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.

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