Águas-vivas e Caravelas, como agir em caso de acidente

Águas-vivas e caravelas vagam pelos mares ao sabor das correntes e ocasionalmente podem provocar acidentes quando banhistas se aproximam e se chocam contra os tentáculos desses seres marinhos.

No verão, que está chegando, época natural de reprodução de muitas espécies, formam-se grandes agregações onde machos e fêmeas se encontram. Ocasionalmente, uma corrente marinha pode levar esses animais a se aproximarem das praias e a maior interação com homem costuma provocar um correspondente aumento no número de acidentes em nosso litoral.

 

 

Em caso de acidente, siga as seis recomendações básicas e úteis sobre como agir em caso de acidente, descritas abaixo. Sugiro, no entanto, que você leia o texto completo com interessantes informações sobre esses animais e recomendações mais completas de tratamento.

 

1 – Saia da água e lave o local atingido com água SALGADA. Jamais use água doce.

2 – Não tente remover os tentáculos aderidos esfregando areia ou toalha.

3 – Banhe a região com vinagre por cerca de 10 minutos.

4 – Remova os restos de tentáculos aderidos com uma pinça.

5 – Lave mais uma vez com água do mar e reaplique o vinagre por mais 30 minutos.

6 – Dores e reações inflamatórias reagem bem aos analgésicos e corticoides, respectivamente.

 

 

Mecanismo Inoculador de Peçonha

Águas-vivas e caravelas são animais peçonhentos de corpo gelatinoso que utilizam os tentáculos orais para caçar suas presas habituais __ de larvas a adultos de crustáceos e peixes. Esses tentáculos possuem milhões de células denominadas nematocistos, contendo um fio tubular enrolado, que é projetado para fora, e um líquido peçonhento que pode, em função da espécie, provocar grande irritação, intensa sensação de queimadura e paralisia do sistema nervoso central. De quatro tipos, apenas dois deles são capazes de provocar lesões no homem.

O tipo penetrante dispara com incrível força de aceleração um micro aguilhão que perfura a pele e inocula a peçonha. O tipo envolvente se enrola nos pelos da pele e, ao esfregarmos ou coçarmos, devido à ação da peçonha já inoculada pelo nematocisto penetrante, estouramos uma pequena bolsa e inoculamos ainda mais peçonha.

O sistema de descarga dos nematocistos é ativado através de reações involuntárias do animal, como os estímulos físicos (pressão ou esfregação) ou químicos (osmose provocada pela água doce). Por isso, as águas-vivas e caravelas são perigosas mesmo depois de mortas.

 

Primeiros Socorros

Há muita controvérsia, especulações e opiniões conflitantes com relação aos procedimentos nos primeiros socorros e no tratamento das lesões provocadas pelas águas-vivas e caravelas.  Ainda assim, deve-se atentar para os seguintes aspectos progressivos a serem considerados:

 

1- O contato inicial com os tentáculos resulta primeiramente em uma modesta inoculação pelos nematocistos.

2- Quanto mais tempo o tentáculo permanecer em contato com a pele, mais nematocistos poderão ser descarregados, já que as descargas são contínuas.

3- Uma substancial quantidade de pedaços de tentáculo é arrancada do animal e gruda na vítima quando a mesma entra em pânico e se debate próximo ao animal.

4- Os esforços subsequentes da vítima, ainda dentro da água, para desvencilhar-se dos pedaços de tentáculo aderidos, costumam resultar em um considerável aumento nas descargas dos nematocistos.

 

Trata-se de uma situação realmente difícil, onde a questão “deve-se ou não tentar remover os tentáculos ainda dentro da água?” é levantada com frequência. No entanto, observações e estudos dos acidentes têm resultado em recomendações com maiores possibilidades de sucesso. Assim, ao perceber a sensação de queimadura, a vítima deve esforçar-se ao máximo para manter-se calma e conseguir sair da água o mais rápido possível, devido ao risco de choque e afogamento, sem, porém, tentar remover com as próprias mãos os tentáculos aderidos. Somente após chegar à terra firme é que haverá a necessidade da remoção cuidadosa dos tentáculos aderidos à pele, sem esfregar a região atingida, o que só pioraria a situação.

Com relação às substâncias efetivas e capazes de desativar as descargas dos nematocistos e/ou diminuir a ação da peçonha, há muitas opiniões conflitantes. Enquanto existem umas poucas com comprovada eficácia, algumas são totalmente inócuas e outras podem até mesmo aumentar a inoculação.

Soluções alcoólicas metiladas como perfumes, loções pós-barba ou mesmo bebidas alcoólicas não devem ser utilizadas, pois em alguns casos podem induzir mais descargas e/ou prolongar a agonia da vítima. Em contrapartida, o hidróxido de amônia diluído a 20%, o bicarbonato de sódio diluído a 50% e o soro do mamão papaia (antiga técnica usada pelos nativos havaianos) têm sido usados com variado grau de sucesso para reduzir a ação da peçonha e desativar os nematocistos dos tentáculos que ainda permanecem grudados no local lesionado. Existem relatos não científicos de que a urina também teria efeito sobre a peçonha. Como não há comprovação médica, seu uso é desaconselhável.

 

Apesar de ser efetivo para a desativação das descargas posteriores dos nematocistos de apenas algumas espécies, o vinagre (ácido acético de 4 a 6%) é largamente utilizado como inativador dos nematocistos, mas não tem qualquer ação sobre a dor (que costuma diminuir passados 20 a 30 minutos do acidente). O resfriamento do local da lesão, através da aplicação de bolsas de gelo logo após o acidente, pode reduzir sensivelmente a dor local.

 

Os primeiros socorros e o tratamento com comprovada segurança, e que devem ser seguidos, têm quatro objetivos principais:

 

1- Minimizar o número de descargas dos nematocistos na pele.

2- Diminuir os efeitos da peçonha inoculada.

3- Aliviar a dor.

4- Controlar sua repercussão sistêmica.

 

É importante observar e estar atento para a vítima que é resgatada da água com euforia e grande atividade física e que, de repente, torna-se calma e cooperativa. Esta mudança brusca de comportamento pode significar uma séria manifestação de disfunção do Sistema Nervoso Central (choque neurogênico) advinda do aumento nos níveis de intoxicação sistêmica. A necessidade de reanimação cardiopulmonar, nesses casos, pode ser iminente. A assistência ventilatória e outras medidas de suporte hemodinâmico utilizadas em terapia intensiva podem ser necessárias nos casos mais graves e complicados, que poderão também requerer o mesmo tratamento aplicado para as grandes queimaduras pôr fogo.

 

Tratamento

 

1- A rotina de tratamento para uma vítima de acidente com águas-vivas e caravelas deve seguir os seguintes passos:

2- A primeira medida é lavar abundantemente a região atingida com a própria água do mar para remover ao máximo os tentáculos aderidos à pele. Não utilize água doce, pois ela poderá estimular quimicamente (por osmose) os nematocistos que ainda não descarregaram sua peçonha.

3- Não tente, de modo algum, remover os tentáculos aderidos com técnicas abrasivas, como esfregar toalha, areia ou algas na região atingida.

4- Para prevenir novas inoculações __ ao desativar os nematocistos ainda íntegros e também neutralizar a ação da peçonha __, banhe a região com ácido acético a 5% (vinagre) por cerca de 10 minutos (as soluções de sulfato de alumínio ou amônia, ambas diluídas a 20%, são alternativas para a falta do vinagre). É importante lembrar que o vinagre não possui nenhuma ação benéfica sobre a dor já instalada pela inoculação inicial.

5- Remova suavemente os restos maiores dos tentáculos aderidos com a mão enluvada e com o auxílio de uma pinça. Para retirar os fragmentos menores e invisíveis tricotomize o local com um barbeador ou com uma lâmina afiada. Pode-se aplicar antes um pouco de espuma de barbear em spray, lembrando-se de não esfregar a região.

6- Lave mais uma vez o local com água do mar e reaplique novos banhos de ácido acético a 5% (vinagre) por 30 minutos.

7- Para remover os nematocistos remanescentes pode-se aplicar no local uma pasta de bicarbonato de sódio, talco simples e água do mar. Espere a pasta secar e a retire com o bordo de uma faca.

8- A dor é, em geral, controlada através do tratamento da dermatite. Ainda assim, pode-se utilizar analgésicos simples (Novalgina ou Tylenol) nos casos brandos e a morfina quando a dor é mais intensa. Os anti-histamínicos e corticoides orais ou tópicos são úteis para o tratamento das reações inflamatórias do tipo alérgica __ consulte sempre um médico para orientação.

9- Havendo reação alérgica/inflamatória, aplique uma camada fina de loção do corticoide betametazona (Betnovat) duas a três vezes ao dia. Nos casos mais graves, utilize anti-histamínicos ou corticoides orais __ consulte sempre um médico para orientação.

10- Em caso de infecção secundária, será necessário o uso de antibióticos com amplo espectro, tópico (bacitracina ou neomicina) ou sistêmico (ampicilina + acido clavulânico), de acordo com a gravidade __ consulte sempre um médico para orientação.

 

 

Sobre Marcelo Szpilman

Marcelo Szpilman, biólogo marinho, é autor de oito livros publicados, sendo cinco nas áreas de peixes, tubarões e outros seres marinhos. É o idealizador, fundador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.

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